Wednesday, April 11, 2012

Oceano visual


O seu olhar era imaculado, transparecia um misto de doçura e ira a flutuar no seu profundo oceano visual. Nos seus olhos surgia um paraíso de águas límpidas retocadas exoticamente em redor por um suave azul-marinho. Mas nessa ilha tropical, onde cerca de três quartos de mundo desejava residir, pelo menos num certo traço temporal de vida, ela sentia-se amarguradamente sozinha, apanhando o sol da manhã, protegendo-se da rigidez do calor da tarde, onde desfrutava de um cocktail de tantas emoções, com especial predominância para o intenso sabor a solidão… Ao fim do dia, no despertar da noite, retorquia pensamentos esperando o despertar de um céu com tantos pontos incandescentes. A noite instalava-se ao ritmo das pegadas que ia marcando naquele areal, parava por instantes, debruçava-se sobre o mundo e procurava as constelações que dois quartos de mundo reconhece… A meio do seu curto, mas tão longo, passeio, a brisa da madrugada se erguia, carinhosamente suspirava sobre o seu corpo e a sua pele respondia, sob arrepios, com a pergunta de quem a aconchegaria nos momentos que se seguiam. Aqueles actos nobres e inexistentes, mas ainda frequentes na memória de pelo menos um quarto de mundo. O seu passeio terminava, chegava à sua cabana solitária, revestida de uma madeira local e de breves engenhos, a voz da necessidade comprometera-se com a utilidade, mas a resignação ao momento bastava-lhe. Lá dentro, entreabria a portada, não saberia viver sem escutar, até adormecer, a voz dos seus olhos azuis marinhos…

M.M.

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