Wednesday, May 07, 2008

Insónias

Foi numa noite amena que duas doses frescas de cafeína infiltraram-se compulsivamente no meu pensamento e despertaram os instintos intensos de um apurado paladar, diria eu que me chegava em abundância um cheiro a palavras constantes, iguarias supremas, imensas, desejos escondidos infiltrados no meu corpo. E eu sei de verdade, nunca duvidem daquela maneira ou de outra conjugada em prenúncios realidade, que uma série de seres haviam construído um anfiteatro enfeitado de magia, coberto daqueles encantos vivos retirados de todos aqueles sonhos. Fizeram-se ouvir fortemente no seu trono em vastos reinos invasores, em contextos de paz atenção, não eram guerrilheiros cruzados, não tinham ânsias de desordens, apenas enunciavam mais um dos seus espectáculos. Naquela noite teria ganho um bilhete ícone, repleto de méritos desentendidos concentrado em rasgos extensos de orgulho; e ainda agora me cheiram todas aquelas palavras fortes e revendo vontades descrevo-as deste jeito tão sereno sob o rumo das palavras de outrem. Os lugares eram imensidão, encontravam-se vagos, tristes, dissipados, tantas figuras guardadas na recordação daqueles nobres castiçais, tantos recortes invisíveis, ausentes desencontrados em memórias vitais. Toda a filarmónica se expunha em locomotiva, em acertos constantes sob a batuta palpitante de tantos corações, e não se enganem em precipitadas conclusões foi uma noite emotiva sobre uma tempestade a chuviscar sensações. Trovoadas que bramiam o rumo de tantos olhares, encantos… Sobre seres que se entusiasmam de curiosidade e dos ruídos da pauta na tendência dos seus gestos, curiosidade revirada a verdade alusiva. Num manto de trapos deixou-se o sol dormir, e a lua brilhante e formosa ansiava despertar, os raios ainda sustinham vida no horizonte até que se deitou no manto e deixou de luzir; ao vento soltaram-se bandeiras simbolizando a lua encarregada de nos abençoar. A música desprendeu-se e virou natureza, os grilos cantantes rejubilavam magia, vozes, instrumentos, em harmonia dos deuses, doce e terna beleza diante das memórias de Mozart, Beethoven, Bach, Tchaikovsky a sussurrarem-me em silêncio o orgulho dos seus ensinamentos. Mas não divagava sozinho, as insónias tinham invadido outras casas, outros leitos… Veio-me visitar entre fileiras escondidas, permanecia num silêncio inquietante deveras preocupante para uma alma tão esbelta e encantada. Não fazia a menor ideia do que ali fazia, não sei sequer se sentia a sinfonia da mesma forma artística do que eu ou se veio em torturas recuperar em fôlegos de rebeldia alguma da súbita paz que aquela noite nos concedia. Não sei, esta é a resposta mais óbvia para esta alma petrificada, sem vida nem sentidos a vaguear simbolicamente sobre pegadas desencontradas num mar de caminhos perdidos. Sem reservas sentei-me a seu lado desfrutando dos momentos em que a música que se ouvia, ela estagnava reticências, eu sei, revia-se em consequências pelos tiques amordaçados em aliança com os sentidos prisioneiros deliberadamente refugiados nos contextos da sua euforia. O vento embalara os seus cabelos erguendo-se num estendal de movimentos, respirando magia em processos lentos que iam definindo as raízes da sua memória. Os segundos passaram rapidamente, ela levantou-se e nem reparou que alguém respirava ao seu lado; movimentou-se em passos largos dirigindo-se num rumo mais além... Saída do nada ouviu-se uma voz, em teores altivos invocando a sua alma dizia: “Dó, Ré, Mi, Fá, Só, Lá, Si, Dó”, após este “Dó” declarado a orquestra acabara o seu concerto, os grilos adormeceram atordoados por sombras de fantasia, os ícones reviraram páginas a preto e branco… E lá bem alto, aquela alma gritou fixando o seu olhar em mim “Dorme meu caro, dorme embalado neste palco de euforias sob a mestria de alguém que se ausenta mas que se sustenta das alegrias que vive cada vez que cá entra.”
06/05/2008 M.M.