Saturday, December 29, 2012

"Natal" por Fernando Pessoa


Natal… Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

Fernando Pessoa

Natal... é quando o homem quiser.

Sunday, December 16, 2012

Um cantinho de perfeição...


Cantos de perfeição, como os 10 cantos de "Os Lusíadas". Há um poema em cada lugar, há um espectro de romance em cada canto.

Friday, December 14, 2012

"As regras do Tagame" Kenzaburo Oe


Ando a coleccionar histórias com mais vivacidade e intensidade no meu Tagame mental. "As regras do Tagame" conta a história de dois amigos que se separam após o suicídio de Goro. Na última fase da vida de Goro, um cineasta reconhecido, este gravara diversas cassetes com reflexões acerca da sua vida ao qual Kogito é um dos principais intervenientes. É uma história curiosa onde Kogito passa grande parte do tempo numa conversação com um gravador de cassetes carregando inúmeras vezes no "pause" para intervir e "play" para deixar o seu amigo "do outro lado" continuar a dialogar num monólogo poderoso. 


Saturday, November 10, 2012

"Nem aqui, nem ali" Bill Bryson


Fiz uma paragem nos russos até porque a intensidade que nos oferecem nos deixam por vezes sem fôlego. Pois bem há meses atrás tinha comprado este livro do Bill Bryson, uma literatura de viagem suave, divertida e interessante. Embora as memórias sejam de há muitos anos atrás é interessante encontrar várias facetas escondidas de uma Europa que no seu entretanto mudou bastante em alguns pontos. Já não era virgem nas leituras de Bill Bryson já antes tinha lido "Uma Breve história de quase tudo" e tinha achado bastante interessante. Este norte-americano sabe como cativar um leitor e ensinar-lhe sempre qualquer coisa de uma forma divertida. Vale a pena viajar com Bryson desde Hammerfest até Istambul.

Wednesday, October 31, 2012

"As neves de Kilimanjaro", Ernest Hemingway

Ontem fui enganado, foi um erro sem intenção mas fui enganado. Fui até ao Wall Street para mais uma aula e quando cheguei e professora vira-se para mim e diz "Grande sentido de pontualidade, M., chegou com uma hora de antecedência" Pois bem marcaram-me no meu horário uma hora e a aula estava marcada para a hora seguinte. Apenas uma justificação para chegarmos ao ponto de interesse. Sentei-me no sofá, a recepcionista gentilmente preparou-me um café e decidi ir à mini-biblioteca resgatar um livro para me entreter. Hemingway captou a minha atenção. "As neves de Kilimanjaro" era um livro que nunca tinha lido e continua por ler dado não ter acabado nem de perto nem de longe o livro... no entanto a história é cativante e motiva-nos a ler até ao fim, pelo menos foi assim no meu caso. Bom, houve algo nas primeiras páginas que cativou-me particularmente. Num diálogo entre Harry Street e a sua mulher, Hemingway assinala a melhor forma dos seres humanos se destruírem:


E por aqui nos ficamos! Cordialmente, Ernest Hemingway!

Friday, October 26, 2012

Levin em "Anna Karénina", Lev Tolstoi

Chegando ao fim de mais um daqueles livros que se devem ler até ao final da nossa vida temos sempre um sabor agridoce: a satisfação de ter consumido uma bela história e a tristeza do fim de uma história que nos deixa com saudade tal como nos deixou Anna Karénina após o seu desaparecimento na estação de Nijni Novgorod. É tempo de recordar uma das belas passagens num retrato de vida de Levin:

"Continuarei a zangar-me do mesmo modo com o cocheiro Ivan, continuarei a discutir, a exprimir os meus pensamentos fora de propósito, continuará a haver um muro entre o santo dos santos da minha alma e as outras pessoas, até a minha mulher, continuarei a culpá-la pelo medo e a arrepender-me disso, continuarei sem compreender com a razão porque rezo, mas a minha vida, toda a minha vida, independentemente de tudo o que me possa acontecer, cada minuto dela, não só deixará de ser sem sentido como era antes, mas terá o inquestionável sentido do bem, que está em meu poder investir nela."

Lev Tolstoi, in 'Anna Karénina'

Sunday, October 14, 2012

Aí está ele... o primeiro sopro de Outono


Naquela tarde saí à rua e depois de tempos áridos e quentes senti pela primeira vez o sopro do Outono e com tanta saudade a recebi. Era calmo, amigável e dócil, era frio, arrepiante e sereno. Aquela brisa trouxe à tona uma série de pensamentos flutuantes e podia dizer, de facto, que até certo ponto eram brilhantes mas que de tanta alma consumida poderia converter-se em factos exorbitantes ou quiçá perturbantes. Aquela era uma caminhada do meio de tarde, mas os tempos mudaram e soava a final de dia, o sol ainda metia inveja ao horizonte, abanava as asas e fugia para que o tempo se eternizasse e a noite se acumulasse para outra rumaria. E eu embalado naquela senda caminhava destemido pois a brisa de Outono abraçava-se, recolhia-me numa ternura que me ia aos poucos completando. Hoje, contínuo a pensar naquele sopro de vida, naquele embaraço... um sorriso aberto, a brisa a passar, uma mão que se alastra...

M.M

Friday, October 05, 2012

"Quando nos apaixonamos"

"Quando nos apaixonamos, ou estamos prestes a apaixonar-nos, qualquer coisinha que essa pessoa faz – se nos toca na mão ou diz que foi bom ver-nos, sem nós sabermos sequer se é verdade ou se quer dizer alguma coisa — ela levanta-nos pela alma e põe-nos a cabeça a voar, tonta de tão feliz e feliz de tão tonta. E, logo no momento seguinte, larga-nos a mão, vira a cara e espezinha-nos o coração, matando a vida e o mundo e o mundo e a vida que tínhamos imaginado para os dois."

Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público


Friday, September 14, 2012

A ruína começou há muito tempo atrás

Vivemos no ano de 2012 e a perspectiva de um futuro infernal (que lembra-me toda aquela convulsão de ideias e pensamentos negativos que nos percorrem quando analisamos afincadamente  "Crime e Castigo") para Portugal e, consequentemente, para a grande maioria dos portugueses é hoje um tema em foco e, de certa forma, muito preocupante. Mas os problemas não são de hoje, seguindo uma linha de alguns escritores estamos a ser "massacrados" por lideranças destrutivas há décadas. Eça de Queirós escreveu sobre a crise em 1891, Tomas Transtromer, prémio Nobel da Literatura de 2011, que guardava uma paixão pelo nosso país escreveu sobre Lisboa e o ponto de situação da mesma numa passagem por Portugal em 1981.

"Que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más: - mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter, nem dinheiro ou crédito. Hoje crédito não temos, dinheiro também não - pelo menos o Estado não tem: - e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela Política. De sorte que esta crise me parece a pior - e sem cura. "

Eça de Queirós, in 'Correspondência (1891)

"No bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas subidas. 

Havia duas prisões. Uma delas era para os ladrões
Que acenavam através das grades. 
Gritavam, queriam ser fotografados! 

"Mas aqui", dizia o guarda-freio com um riso de hesitação, 
"aqui sentam-se os políticos". Eu vi a fachada, a fachada, a fachada."


Tomas Tranströmer, in '50 Poemas'




Wednesday, September 12, 2012

A dor de cabeça de um livreiro...


A verdadeira dor de cabeça de um livreiro genuíno é o de querer tudo o que lhe desperta a atenção. Comigo não foge à regra e isso de facto envaidece-me mas também deixa-me com a carteira bem mais vazia. Contudo não é por aí que a tristeza me chega, os livros e as histórias fazem esquecer as síndromes de austeridade e do pânico geral que por aí vai... é caso para isso. Todos os livros acima foram presenteados por mim próprio aquando dos meus 27. De hoje em diante vou começar a presentear-me pelo Natal e por aí fora até aos 28. É uma saga que não terá fim, eu hei-de arrumar livros na ordem e hei-de ficar com mais apetites literários aquando dessa tarefa diária. "Crime e Castigo" check, "Contos de Tchékhov" em andamento, "Anna Karenina" em andamento... e com tanto ainda para ler já ando namorar "Guerra e Paz" para o Natal! Tenho dito, esta vida de livreiro é uma verdadeira tentação.

Monday, September 10, 2012

"A Clareira" de Tomas Tranströmer

"”Det finns mitt i skogen en oväntad glänta som bara kan hittas av den som gått vilse.
Gläntan är omsluten av en skog som kväver sig själv.
Svarta stammar med lavarnas askgrå skäggstubb. 
De tätt sammanskruvade träden är döda ända upp i topparna där enstaka gröna kvistar vidrör ljuset.
Därunder: skugga som ruvar på skugga, kärret som växer.
Men på den öppna platsen är gräset underligt grönt och levande.”

"No coração da floresta há uma clareira inesperada que só pode ser encontrada por alguém que nela se perca.  
Está cercada por arvoredo que se asfixia a si próprio. Rodeiam-na troncos enegrecidos com vermes de barbichas cinzentas. Fortemente enrolados uns nos outros, esses troncos estão mortos até às copas, onde alguns ramos roçam a luz. Em baixo: sombra sobre sombra, o pântano em formação. 
Curioso: na clareira a erva está milagrosamente viva, viçosa."


Tomas Tranströmer in "50 Poemas"



Thursday, August 30, 2012

A Desgraça do Sonhador

E vocês sabem o que é um sonhador, cavalheiros? É um pecado personificado, uma tragédia misteriosa, escura e selvagem, com todos os seus horrores frenéticos, catástrofes, devaneios e fins infelizes... um sonhador é sempre um tipo difícil de pessoa porque ele é enormemente imprevisível: umas vezes muito alegre, às vezes muito triste, às vezes rude, noutras muito compreensivo e enternecedor, num momento um egoísta e noutro capaz dos mais honoráveis sentimentos... não é uma vida assim uma tragédia? Não é isto um pecado, um horror? Não é uma caricatura? E não somos todos mais ou menos sonhadores?

Fiodor Dostoievski, in "Escritos Ocasionais"

Wednesday, August 29, 2012

Na madrugada, um "Momento"


Uma espécie de céu
Um pedaço de mar
Uma mão que doeu
Um dia devagar
Um Domingo perfeito
Uma toalha no chão
Um caminho cansado
Um traço de avião
Uma sombra sozinha
Uma luz inquieta
Um desvio na rua
Uma voz de poeta
Uma garrafa vazia
Um cinzeiro apagado
Um hotel na esquina
Um sono acordado
Um secreto adeus
Um café a fechar
Um aviso na porta
Um bilhete no ar
Uma praça aberta
Uma rua perdida
Uma noite encantada
Para o resto da vida.

Pedes-me um momento
Agarras as palavras
Escondes-te no tempo
Porque o tempo tem asas
Levas a cidade
Solta me o cabelo
Perdes-te comigo
Porque o mundo é o momento.

Uma estrada infinita
Um anúncio discreto
Uma curva fechada
Um poema deserto
Uma cidade distante
Um vestido molhado
Uma chuva divina
Um desejo apertado
Uma noite esquecida
Uma praia qualquer
Um suspiro escondido
Numa pele de mulher
Um encontro em segredo
Uma duna ancorada
Dois corpos despidos
Abraçados no nada
Uma estrela cadente
Um olhar que se afasta
Um choro escondido
Quando um beijo não basta
Um semáforo aberto
Um adeus para sempre
Uma ferida que dói
Não por fora, por dentro.

"Momento",  Pedro Abrunhosa

Monday, August 27, 2012

Rodion Raskólnikov

"De repente, surgiu junto dele a Sónia. Aproximou-se de mansinho e sentou-se. Raiava a manhã, o friozinho da madrugada ainda não se fora embora. Sónia vestia a velha capa e o lenço verde. Ainda tinha no rosto os sinais da doença, mais magra ainda, mais pálida. Sorriu para ele, afável e alegremente, mas, como de costume, foi com timidez que lhe estendeu a mão. 
Estendia-lhe sempre a mão timidamente, às vezes nem se atrevia a fazê-lo, como medo que ele a rejeitasse. E Raskólnikov pegava-lhe sempre na mão com repugnância, era com um ar aborrecido que a recebia sempre, às vezes ficava teimosamente calado durante a visita. Sónia tinha-lhe medo e ia embora magoada. Mas hoje não, as mãos deles não se separaram; Raskólnikov lançou-lhe um olhar rápido de soslaio, não disse nada e baixou os olhos. Estavam sozinhos, ninguém a vê-los, o guarda tinha-lhes virado as costas. 
Como aquilo aconteceu, nem ele próprio sabia, mas uma força qualquer como que o levantou e o arremessou aos pés dela. Chorava e abraçava os seus joelhos. No primeiro momento, Sónia assustou-se terrivelmente, ficou lívida. Mas, num relâmpago, logo percebeu tudo. Nos olhos dela raiou uma felicidade infinita: percebera, já não tinha dúvidas, ele amava-a, amava-a perdidamente, chegara finalmente o instante..."

Raskólnikov é das personagens mais sinistras e maravilhosas que já li. Mais de 500 páginas num profundo combate intelectual, com pensamentos obscuros e melancólicos. Chegamos a entrar na névoa de São Petesburgo, caminhar a seu lado, ouvir os seus passos e sentir um pouco daquela nuvem negra que sempre o acompanha. No fim há uma salvação do homem que parecia perdido, Sonetchka foi mais forte e teve a sua sorte devolvendo a um homem desfeito um pouco de vida. São Petesburgo tornou-se depois isto um destino fundamental no futuro; a cidade que Dostoyevsky considerou ser a "A cidade mais abstracta e intencional do mundo.".

Wednesday, August 22, 2012

Anna Karénina, Lev Tolstoi


""Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira"

Está a chegar, está quase cá em casa... Trabalho na Bertrand mas a Fnac é que presenteia-me, não deixa de ser curioso!

Sunday, August 19, 2012

"A Gaivota", Anton Tchékhov

Trigórin - Quando queres, podes ser excepcional. Um amor jovem, encantador, poético, um amor que nos leva até ao mundo dos sonhos - só ele nos pode dar a felicidade na terra! Ainda nunca tinha sentido um amor assim...na juventude não tive tempo - andei a bater à porta das editoras, a lutar contra a pobreza... Agora aí está ele, este amor, chegou finalmente, chama por mim... Que sentido tem fugir dele?
Arkádina (com raiva) - Perdeste o juízo!
Trigórin -  Ainda bem.

Anton Tchékhov, in 'A Gaivota'

Friday, August 17, 2012

Memorial da evolução

Há particularidades que pouco nos escapam e no meu caso como livreiro tenho vindo a reparar que não há uma designação única para o devido chamamento. De entre as horas que passei a catalogar pessoas e as pessoas a catalogarem-me a mim cheguei à conclusão que há pessoas estranhas. Quem não saberia disso? eu próprio sou uma delas. No chamamento há quem me tome por menino, o rapaz, o senhor, o homem. Não sei bem se estas derivações vêm consoante a imagem ou da perspectiva de cada um. Posso adiantar que a tirada do "não faças isso, o homem ralha contigo" tornou-se das mais incomodativas da história, o verbo ralhar soou a angústia, só tive tempo de retaliar dizendo "não faço mal a ninguém minha senhora" mas... "não deixe o seu filho varrer-me as pilhas de livros e espalhá-las pelo chão", pensei. "Menino", tomado pelas mães dos pequenos autoritários, responsáveis, daqueles que levam uma boa educação com regras para tudo e mais alguma coisa. O "rapaz" para a gente do povo, do despachar, do viver a alma, do nunca esquecer o muro das lamentações. O "senhor", que horror, que perspectiva tão idosa embora seja aceitável no politicamente correcto. Há quem ainda me tome por livreiro, casos raros, há ainda as crianças que julgam que tudo isto se passa numa Biblioteca e, portanto, bibliotecário. De entre tantos nomes e feitios não posso deixar de ver uma certa equivalência com a vida... menino, rapaz, homem, senhor... acabamos todos por viver neste passeio de tempestades e bonança do qual chamamos vida. Quem diria que tudo passa tão rápido, numa velocidade estonteante... 27, minha gente, 27, é a alma que começa a amadurecer e tornar-se histórica, é a vida a correr e os passos de magia a tardarem por aparecer. Neste dia tão particular acabo "Crime e Castigo", avanço para "Irmãos Karamazov" e tenho em vista investidas bem assentes no mercado russo com Vladimir Nabokov, Tolstoi, Anton Tchekhov, Mikhail Bulgakov e Ivan Turguéniev. Ando a ganhar um fascínio pela literatura mais pesada dos clássicos russos deve ser da idade, deve ser. Uma coisa é certa após ultrapassar esta vaga pode ser que "As cinquenta sombras de Grey" deixem de assombrar a livraria.

O livreiro estagiário,
Marco Martins

Saturday, August 11, 2012

Há Palavras que Nos Beijam

Há palavras que nos beijam 
Como se tivessem boca. 
Palavras de amor, de esperança, 
De imenso amor, de esperança louca. 

Palavras nuas que beijas 
Quando a noite perde o rosto; 
Palavras que se recusam 
Aos muros do teu desgosto. 

De repente coloridas 
Entre palavras sem cor, 
Esperadas inesperadas 
Como a poesia ou o amor. 

(O nome de quem se ama 
Letra a letra revelado 
No mármore distraído 
No papel abandonado) 

Palavras que nos transportam 
Aonde a noite é mais forte, 
Ao silêncio dos amantes 
Abraçados contra a morte. 

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

Saturday, August 04, 2012

Reflexão de Reese


Como assíduo espectador de séries, por vezes, encontro diálogos que, simplesmente, fascinam-me. Este é um deles tirado da série "Person of Interest" e que é, sem dúvida alguma, uma das melhores séries que vi até agora. Aqui está uma boa reflexão:

"When you find that one person who connects you to the world, you become someone different, someone better. When that person is taken from you, what do you become then?"

Monday, July 30, 2012

Milan Kundera in "A Insustentável Leveza do Ser"

"The heaviest of burdens crushes us, we sink beneath it, it pins us to the ground. But in love poetry of every age, the woman longs to be weighed down by the man's body.The heaviest of burdens is therefore simultaneously an image of life's most intense fulfillment. The heavier the burden, the closer our lives come to the earth, the more real and truthful they become. Conversely, the absolute absence of burden causes man to be lighter than air, to soar into heights, take leave of the earth and his earthly being, and become only half real, his movements as free as they are insignificant. What then shall we choose? Weight or lightness?"

Milan Kundera in "The Unbearable Lightness of Being"

Friday, July 27, 2012

"Os melhores Beijinhos", Joanna Walsh

Acreditem... isto é mágico e vem na continuação do tema "livros para crianças". Notícias dão conta da insolvência da Civilização pelo que há certas coisas que podem tornar-se raridades. 



"Todos precisamos de beijinhos, por isso haverá coisa melhor do que um livro cheio deles?
Um livro repleto de ilustrações e frases engraçadas que incentivam o desenvolvimento afectivo das crianças."

Ainda de Joanna Walsh aparece nas estantes mais um incentivo especial para animar os corações da pequenada. "O Abraço Perfeito" é também ele ilustrado por Joanna Walsh e Judi Abbot.



"Todos nós gostamos de abraços e este livro tem abraços de todos os tamanhos e feitios… Há abraços para namorados e abraços para traquinas. Abraços que surpreendem os aluados e abraços que picam tanto que nem imaginas… Mas irás tu encontrar o abraço perfeito? Claro que sim! Como este livro diz, o abraço perfeito está mesmo debaixo do teu nariz!"

"Pois é, o Panda estava insatisfeito e andou pelo mundo fora à procura do abraço perfeito. Experimentou quem dava abraços grandes, pequenos, apertados, fortes, suaves, de quem tinha muitos braços, como a aranha, e até de quem não tinha braços, como o caracol. Mas nenhum o satisfez. Voltou a casa e aí encontrou o abraço perfeito."


Parece que todos devíamos ouvir estas histórias... talvez não houvesse tamanho desperdício. 

Friday, July 20, 2012

As Paixões Humanas, Nicolau Gogol

Eu considero inteligente o homem que em vez de desprezar este ou aquele semelhante é capaz de o examinar com olhar penetrante, de lhe sondar por assim dizer a alma e descobrir o que se encontra em todos os seus desvãos. Tudo no homem se transforma com grande rapidez; num abrir e fechar de olhos, um terrível verme pode corroer-lhe as entranhas e devorar-lhe toda a sua substância vital. Muitas vezes uma paixão, grande ou mesquinha pouco importa, nasce e cresce num indivíduo para melhor sorte, obrigando-o a esquecer os mais sagrados deveres, a procurar em ínfimas bagatelas a grandeza e a santidade. As paixões humanas não têm conta, são tantas, tantas, como as areias do mar, e todas, as mais vis como as mais nobres, começam por ser escravas do homem para depois o tiranizarem.
Bem-aventurado aquele que, entre todas as paixões, escolhe a mais nobre: a sua felicidade aumenta de hora a hora, de minuto a minuto, e cada vez penetra mais no ilimitado paraíso da sua alma. Mas existem paixões cuja escolha não depende do homem: nascem com ele e não há força bastante para as repelir. Uma vontade superior as dirige, têm em si um poder de sedução que dura toda a vida. Desempenham neste mundo um importante papel: quer tragam consigo as trevas, quer as envolva uma auréola luminosa, são destinadas, umas e outras, a contribuir misteriosamente para o bem do homem. 

Nicolau Gogol, in "Almas Mortas"





Wednesday, July 18, 2012

Mais um comboio a passar...

Vamos dialogar um bocadinho pelo menos tu és capaz de levar-me a sério, aceitar as minhas palavras e ir marcando-as no mundo. Vamos executar palavras, removê-las da história da gente, remetê-las a um novo endereço; vamos correr o mundo, ouvir uma nova voz, novas histórias, novos horizontes. O último está gasto, quebrou-se, corrompeu-se. Vamos directos ao assunto: eu sentei-me naquela tarde sobre o mar e falámos com clareza sobre denominados diálogos... parece que chegámos a um ponto de interesse em que revimos os mais ténues murmúrios, analisámos situações e de uma conjuntura de preocupação senti-me em paz... fiz tudo e mais algum, não há nada a temer. A verdade parece que custa, pagamos a preço de ouro mas dada gratuitamente parece que gera confusão, lamento. Mais um comboio a passar... 

Sunday, July 15, 2012

Crime a Castigo, Fiódor Dostoiévski

A coleguinha sorridente andou um mês a desatinar-me a cabeça porque não comprava nenhum livro na loja e eu pensava nas dezenas de livros que tenho, ainda, para ler nestas estantes que se encontram ao meu lado esquerdo. Lá conseguiu convencer-me e parti para mais umas horas de amizade com o meu grande amigo Fiódor Dostoiévski (a escolha vai alegrar os muitos russos que por aqui caem por acaso). O livro é intenso desde a primeira página e logo nas primeiras páginas o génio russo partilha comigo algo muito verdadeiro. É surpreendente como um pensamento de 1866 possa ser tão actual e adequado. 



"Quero ousar uma coisa dessas, e estou com medo de ninharias! - pensava, com um sorriso estranho nos lábios. - Humm... pois... tudo está nas mãos do homem, e o homem deixa que tudo lhe fuja à frente do nariz, só por cobardia... é um axioma...  Não era curioso saber do que têm mais medo as pessoas? De um passo novo, de uma palavra nova própria, é esse o maior medo delas... Aliás, palro demais. Tagarelo, por isso não faço nada. Ou então: tagarelo porque não faço nada. Neste último mês ganhei o hábito da tagarelice, deitado dias e noites no meu canto, a pensar... na história do rei pasmado. Porquê, para que vou lá agora? Se ao menos for capaz de fazer aquilo!? Será mesmo a sério, aquilo? Não, não é a sério. Ando a entreter-me com uma fantasia , uma brincadeira! Sim, isto é mais uma brincadeira!"

Fiódor Dostoiévski in "Crime e Castigo"

Friday, July 13, 2012

Kings of Convenience & Royksopp - I Don't Know What I Can Save You from

Apaixone-se, imortalize-se, sinta na pele... porque é bom demais.


"You called me after midnight...
it must have been three years since we last spoke.
I slowly tried to bring back
the image of your face from the memories so old.
I tried so hard to follow,
but didn't catch a half of what had gone wrong,
said "I don't know what I can save you from".
I don't know what I can save you from.

I asked you to come over,
and within half an hour,
you were at my door.
I've never really known you,
but I realized that the one you were before,
had changed into somebody for whom
I wouldn't mind to put the kettle on.
Still I don't know what I can save you from.
I don't know what I can save you from."

Monday, July 09, 2012

O livreiro feirante (Última página)

Tenho pouco a dizer acerca do encerramento desta primeira etapa como livreiro expositor mas trago para casa mais algumas recordações, umas boas, outras menos positivas. Os meus pés começaram, a duas horas do encerramento, a pedir uma total insolvência, os dedos resmungavam, a alma adormecia, os clientes desapareciam, o silêncio começava a predominar. Final. Hoje mais uma criança conquistou-me, a pequena Margarida de olhos da cor do mar e com os seus 20 meses fugiu e escondeu-se atrás da prateleira da culinária e por lá refugiou-se na sua vergonha. A mãe perguntou-lhe porque tinha ela vergonha do senhor dos livros, ela manteve-se calada... De saída do expositor a mãe disse "olhe apaixonou-se", a pequena virou-se, disse-me adeus e mandou beijinhos e o senhor dos livros sorriu. As crianças na sua inocência são de facto maravilhosas e o senhor dos livros achou aquilo tão terno e não deixou de pensar que estaria ali um belo "arranjinho" para o meu Afonso. O pequeno faz hoje três meses e já ando a tratar de arranjar-lhe um par. 
Uma senhora chegou a 5 minutos do encerramento vinha com um perfume gasto e pouco apetecível ao meu olfacto, pode ter sido essa a razão para me ter dado este ataque alérgico... A senhora veio falar ao livreiro, o livreiro cordialmente cumprimentou-a... a senhora disse "ah vim de propósito para buscar este livro ("Arrisca-te a Viver" de Gustavo Santos)" e o livreiro pensou "oh podia ter vindo por algo melhor". A senhora ficou escandalizada pois o livro já não estava em promoção então, contornou e começou a regatear "Olhe pode fazer-me um desconto de 5€?" o livreiro estagiário pensou "Para além de perturbar o meu olfacto, de escolher algo pouco apetecível para o meu gosto literário ainda vem pedir um desconto?", "Peço imensa desculpa mas isso não é possível." a senhora resignou-se, pegou no livro e voltou a colocá-lo na prateleira umas 10 vezes... sim, tive oportunidade de contar... e, no entretanto, não levou o livro, abandonou o local e desapareceu. Final! "Estávamos encerrados".
Depois do fecho de feira fui conhecer a grande conquista de um grande amigo, "ah que bom, conquistou uma sorridente", pensei, é, de tal forma, maravilhoso quando se vê algo grandioso, compartilhado e romântico. É encantador sentir aquelas boas energias a saltitar em nosso redor... sinal que podemos continuar a acreditar mas é, acima de tudo, gratificante ficar feliz pelos outros sem o dizer da boca para fora. E então dei-me conta, ele conquistou uma sorridente e que bom que é vê-los a sorrir como ninguém.
Amanhã é outro dia e saberemos por lá que sorrisos ou tristezas o livreiro encontrará, o tempo acabará por dar-nos a resposta seja ela sorridente ou tristonha mas ela surgirá, o tempo não perdoa e responde. As perguntas são para ser respondidas por mais banais que sejam e é dessa forma que deve ser porque afinal de contas o estagiário dos livros não gosta de palavras em vão.

Thursday, July 05, 2012

Santa Cruz, o reconhecimento


A prestigiada revista e site espanhol de viagens CondéNast Traveler / traveler.es elegeu a praia de Santa Cruz como uma das melhores 50 praias do mundo. Soubemos disso na tarde de ontem e foi-me bastante útil para a noitada no mundo dos livros. Duas senhoras foram ontem à livraria na procura do livro "Tanto Mar" de Pedro Adão e Silva e João Catarino, um livro lançado no passado mês de Junho e que conta a aventura de dois amigos que percorreram o litoral de Portugal descrevendo a sua passagem pelas praias portuguesas. As duas senhoras ficaram encantadas por ver a sua terra no tal livro e não podia deixar de partilhar as boas novas, elas ficaram contentíssimas mas uma não pode deixar de comentar "Não sentiram eles aquela nortada, se sentissem, talvez não nos tivessem colocado nessa lista." ao qual amigavelmente retaliei "Já faz parte da terra, quem lá está já se habituou, quem vem ao desconhecido acaba por, também, se habituar e, de certa forma, desfrutar." Não custa nada promover um bocadinho a minha terra.

"La bella playa de Santa Cruz, a tiro de piedra de Lisboa

Sanidade

Tenho enormidades de loucura a roçar na base dos meus pés, fazem-me cócegas, dá-me tanta inquietação, tenho pois um corpo a balançar-se num precipício de interrogações, não me toques mais, não me faças tanto rir que de tanto gargalhar, farto-me... esta sensibilidade é densa, profunda e essa desestabilização custa-me alguma sanidade mental.

Monday, July 02, 2012

Primeiro mês, o renascer.


Ver o meu sobrinho (o mais lindo deste mundo) a crescer é numa breve e solitária palavra: maravilhoso. Se ele não fosse tão inocente e pequenino gostaria de ver também o seu tio a crescer. Como ainda parece distraído quando lhe falo das coisas sérias conto-te a ti um bocadinho da magia do renascimento... O meu primeiro mês terminou ontem, a aventura de livreiro está bem e recomenda-se e está para durar, pelo menos assim o espero. Neste fim-de-semana os meus pés desgastaram-se, reclamaram, proclamaram sossego, alguma paz... tais foram as horas em que os mantive a pressionar a Terra. Nesta feira anual da região a Livraria Bertrand estreou-se com um expositor, digamos que o sucesso está longe de ser o esperado mas a nível individual fez-me crescer mais um pouco. Ando a assentar as bases, quem diria que há um mês atrás eu  trabalharia numa livraria, falaria com um cliente com dinâmica, sem medo, olhando-o dos olhos e de uma amena cavaqueira acerca de uma temática não específica chegássemos ao senso comum? Tenho crescido, vivido, assumido mais responsabilidades, conhecido novas caras e de repente começo a perder as tão proclamadas "janelas killer" que o caríssimo Augusto Cury tanto retrata em "O Código da Inteligência". Digamos que o conceito em si está bem definido mas não foi por ler 30 páginas do livro que me libertei de uma certa parte da fobia social, na verdade estou disposto a doar o livro, alguém aceita? Não envio para os Estados Unidos da América, Rússia, Brasil... ora bem talvez fique aqui em casa a baptizar-se com alguma poeira. Outra das coisas maravilhosas destes dias foram os múltiplos sorrisos das crianças, a literatura para os prematuros tem muito que se lhe diga, tem qualquer coisa de especial e mágico, as ilustrações, as palavras simples, mas bonitas, conseguem encher o mundo de uma nova esperança, as crianças soltam sorrisos e dividem-os com os livreiros, os sorrisos são nossos, os sorrisos são deles. É encantador e lembra-me mais uma vez do "meu" pequenote, e conta-me a história de um futuro de "Era uma vez um livreiro preguiçoso e que um dia ganhou um poder, tornou-se um sublime contador de histórias, manteve-se um sonhador. Do seus sonhos rabiscou realidade, abriu os olhos e tornou-me seu, eu era pequenino, estava nos braços de uma mulher maravilhosa e o meu pai chorava de alegria. Desde esse dia somos fortes, unidos, amigos, cúmplices, família". Um dia, serei papá e serei, definitivamente, babadíssimo e crescerei mais um bom bocado mas nesse dia o meu Afonso irá perceber que o seu tio estará ainda em fase de crescimento. Vai perceber, também, que o seu tio ganhou o poder de escrever na sua vida uma conexão entre pai e filho que vidas atrás inexistira na sua vida. Este jogo das mutações é divinal, os sonhos persistem e o coração é sempre demasiado mole.

Eu.

Thursday, June 28, 2012

Capítulo XXI, Principezinho, Antoine de Saint-Exupéry

Sem clientes na loja e a precisar de relaxar depois de horas intensas a transportar cultura entre as mãos decidi ler um dos meus livros de sempre. Cada vez que o leio tenho um Principezinho diferente, disposto a dar-me uma boa lição, a dizer-me, uma após outra, "estás mais velho, estás esquisito" pois "não há dúvidas que as pessoas crescidas são bastante/muito/muitíssimo esquisitas." Gostava que todos pudessem ler este livro mas que o fizessem com atenção, não encarassem as palavras como bonitas mas sim como uma dádiva e que pudessem aprender algo mais, aprender a ser alguém melhor. Então no meio de tantas palavras mágicas acho que o encontro com a raposa dá-nos uma essência do que é uma amizade, a cumplicidade, o amor, a saudade.

"E foi então que apareceu a raposa :- Bom dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu polidamente o príncipezinho, que se voltou, mas não viu nada.
- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...
- Quem és tu ? Perguntou o príncipezinho. Tu és bem bonita...
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, propôs o príncipezinho. Estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
- Ah! Desculpa, disse o príncipezinho.
Após uma reflexão, acrescentou :
- Que quer dizer « cativar »?
- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras ?
- Procuro os homens, disse o príncipezinho. Que quer dizer « cativar »?
- Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. É bem incômodo ! Criam galinhas também. É a única coisa interessante que eles fazem. Tu procuras galinhas ?
- Não, disse o príncipezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer « cativar »?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa « criar laços... »
- Criar laços ?.
- Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um rapazinho inteiramente igual a cem mil outros rapazinhos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
- Começo a compreender, disse o príncipezinho. Existe uma flor... Eu creio que ela me cativou...
- É possível, disse a raposa. Vê-se tanta coisa na Terra...
- Oh! Não foi na Terra, disse o príncipezinho.
A raposa pareceu intrigada :
- Num outro planeta ?
- Sim.
- Há caçadores nesse planeta ?
- Não.
- Que bom ! E galinhas ?
- Também não.
- Nada é perfeito, suspirou a raposa.
Mas a raposa voltou à sua ideia.

- Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens caçam-me a mim. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...
A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe :
- Por favor... Cativa-me! Disse ela.
- Bem quisera, disse o príncipezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me !
- Que é preciso fazer? Perguntou o príncipezinho.
- É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos. Mas, cada dia, te sentará mais perto...
No dia seguinte o príncipezinho voltou.
- Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta a agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... É preciso ritos.
- Que é um ritual? Perguntou o príncipezinho.
- É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, possuem um ritoual. Dançam na quinta-feira com as raparigas da aldeia. A quinta-feira então é o dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu não teria férias !
Assim o príncipezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou à hora da partida, a raposa disse :
- Ah ! Eu vou chorar.
- A culpa é tua, disse o príncipezinho, eu não te queria fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...
- Quis, disse a raposa.
- Mas tu vais chorar! Disse o príncipezinho.
- Vou, disse a raposa.
- Então, não ganhaste nada com isso!
- Ai ganhei, sim, senhor! - disse a raposa -  por causa da cor do trigo.
Depois ela acrescentou :
- Vai rever as rosas. Tu compreenderás que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu dar-te-ei um presente de despedida: conto-te um segredo.
Foi o príncipezinho rever as rosas :
- Vós não sois absolutamente iguais a minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes a ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu fiz dela um amigo. Ela é agora única no mundo.
E as rosas estavam desapontadas.
- Sois belas, mas vazias, disse ele ainda: Não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é, porém mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o para vento. Foi dela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa.
E voltou, então, à raposa :
- Adeus, disse ele...
- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.
O essencial é invisível para os olhos, repetiu o príncipezinho, a fim de se lembrar.
- Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que fez tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... Repetiu o príncipezinho, a fim de se lembrar.
- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...
- Eu sou responsável pela minha rosa... Repetiu o príncipezinho, a fim de se lembrar."

Sunday, June 24, 2012

Brown Penny

I WHISPERED, 'I am too young,'
And then, 'I am old enough';
Wherefore I threw a penny
To find out if I might love.
'Go and love, go and love, young man,
If the lady be young and fair.'
Ah, penny, brown penny, brown penny,
I am looped in the loops of her hair.
O love is the crooked thing,
There is nobody wise enough
To find out all that is in it,
For he would be thinking of love
Till the stars had run away
And the shadows eaten the moon.
Ah, penny, brown penny, brown penny,
One cannot begin it too soon. 


William Butler Yeats

Saturday, June 23, 2012

"Ouvi dizer", para um sempre, eterno.

"A cidade está deserta,
E alguém escreveu o teu nome em toda a parte:
Nas casas... nos carros... nas pontes... nas ruas...
Em todo o lado essa palavra
Repetida ao expoente da loucura!
Ora amarga! Ora doce!
Para nos lembrar que o amor é uma doença,
Quando nele julgamos ver a nossa cura!"

"Ouvi Dizer",  Ornatos Violeta

Friday, June 22, 2012

Re-Post: Medo (2006)

Um amigo virou-se para mim e disse: "lembras-te quando ganhaste aquele prémio literário e fizemos uma data de quilómetros de ida e volta quase sem parar? Quando ganhas outro?" resposta simples, teria de participar. Isto não é quando se quer, é quando dá-me "ganas". No entanto lembrei-me que esse texto tinha vindo dos primórdios da tua existência, eras um bebé a precisar de atenção e eu comecei por educar-te com visões mais tristes do que felizes. Como pai assumo a minha responsabilidade, cresceste demasiado depressa... Mas vamos lá relembrar o texto premiado e que tinha fortes lacunas na sua escrita.

"Medo de me enclausurar num universo vazio, de palavras simbólicas sem nexo... Terror de sentir passos de solidão mórbida a rastejarem numa angústia desmedida. A resposta revolucionária de alguém que se sente surge sempre na eternidade! Imagina que o mundo chama por ti, escutas uma espécie de sirene irritante que capta as tuas sensações inquietantes, sentes um arrepio assombroso e olhas à tua volta, segues o teu caminho cumprindo as regras seguras impostas na convenção artificial que representas, entras num mundo obscuro onde te sentes em comunhão com a paz. Vinda de um nada, a tristeza chegou, depois instalou-se sem atribuir motivos, razões, senta-te... olha para ti de uma forma terna, piedosa e mantém um silêncio divinal que te deixa em plena confusão sentimental, surge um aglomerado "emocionista" de nível superior. A tristeza chora rios de água quente que vão desaguando, segundo após segundo, num chão que não se surpreenderia com a novidade, recebia com amizade mais uma de uma infinidade... com simpatia abraçava-as como sempre o fez e divinalmente enchaguava-as, tornando-as parte de um só elemento, aceitando-as. Do outro lado, brilha um olhar, escuta-se um ritmo cardíaco acelerado ao som da batuta, o ar congela, levantas-te, corres em direcção a uma parede branca, lanças as tuas mãos na sua direcção, fechas os olhos com firmeza e convicção, a tristeza segue-te, dissolve-se em ti e une-se ao teu espírito. Alma que amarguradamente chora em comunhão com a paz. Como um corpo morto deixa-se cair no imenso chão que é seu, e descansa na imensa paz, dorme como um anjo caído dos céus, de frágil aparência mas de espírito enorme.
Nas ruas amarguradas da vida há sempre uma tristeza que vagueia por aí, que nos consome... não me importa que não te dêem atenção, não me importa que não te vejam chorar, não me importa! Dar-te-ei a minha mão... fecha os olhos por instantes de forma segura, não tenhas medo eu estou aqui...
Não voes alto, as tuas asas verdes levariam tudo de meu contigo!
M.M"

Thursday, June 21, 2012

Convulsão

A sua locomotiva trazia-lhe inúmeros vagões de pensamentos negativos, incomodativos, inquietantes, daqueles com um sabor amargo e que nos ficam a matutar,  interminavelmente, degradantes segredos. Larga-me, dizia, engana-me e conta-me um sonho bom, que tenha um aroma doce e um toque de felicidade por mais tímida que ela seja.
Havia dias em que lhe apetecia contestar a sua ordem vulgar das coisas e tornar aceitáveis certas perspectivas menos comuns. Chegava a "casa", de rosto fechado e tudo o que lhe apetecia era despir a sua alma, colocá-la num cabide bem alto e desprezá-la, tornar-se nu, insensível, imoral e nessas condicionantes passear-se, sem noção, pelos seus cantos apenas com o seu corpo. A vida nesses momentos tornar-se-ia mais ligeira, suave, menos pensada, esquematizada, concreta e, de certa forma, aproximava-se do seu desejo fugaz de libertar-se de si próprio, do pensar, do reflectir, das teorias consecutivas que só serviam para o seu cortéx cerebral disparar, entrar em colapso e convulsionar uma maré de idealismos antagônicos. Havia nesses dias uma sensação contundente de um profundo incompleto, no seu limite a frequência obtida tinha espectros duvidosos e, nesses momentos, sentia-se a afogar na maré que enfurecida ainda crescia volumosa até a preia-mar. Sem forças para vir ao cimo, sem razão persistente, seria pertinente que nesses momentos aquele corpo com réstias de alma ganhasse a vontade lutar pela sua sobrevivência, reagindo impacientemente, lutando sofregamente, acima de tudo, mantendo-se estável, recolhendo algum bom senso, pescando em alto mar algumas palavras revitalizantes. Se sereias, ninfas existissem ou não, ele precisaria de criar alguma na sua consciência, desenhando-a, encantando-se no estabelecimento das suas formas, na procriação do seu sorriso. Na verdade precisaria de um outro alguém que lhe pudesse assassinar a corrupta solidão, que lhe entregasse uma bandeja de irresistíveis palavras, alguma voz, uma outra voz... precisava sobretudo de sentir-se essencial, especial, necessário e útil na vida de alguém para que pudesse recordar e ser recordado. A sua criação estava carregada de fracasso, chegou à conclusão que o sonho não lhe bastava, o espectro era irreal, as palavras eram só suas, os pensamentos continuavam a formular o seu vendaval, a sua tempestade e voltava ao princípio de tudo, à cadeia no topo do mundo onde vivia, ao cheiro dos cigarros destruídos sem perdão a invadirem o perfumado odor da maresia... e aquela alma ainda estava tão longe de estar pendurada no tão focado cabide. Debruçou-se, encolheu-se, abraçou-se e apagou-se.

M.M.