Friday, November 16, 2007

Discípulos da Preguiça

Estava tanto vento e nos céus voava ela, rumando contra as ventanias consistentes. De cabelos erguidos seguia-lhe as asas, eram fortes e tão ligeiras, passeava-as sem objectividade no seu rumo ao longo dos minutos de batimentos reforçados, até que se cansou e pousou bem ao meu lado…

Sorriu-me, tinha uma vaga memória daquela imagem, daqueles olhos… de onde me lembraria? Tantos anos de retrocesso da mente num espaço tão curto de tempo, eis que me lembraram da sua figura amigável. Nos livros infantis trouxe-me ao mundo, ainda me recordo desta imagem tão boa, tão feliz; num lugar tão colorido, que sempre me fez pensar e acreditar que não existiam problemas no nosso mundo.

Mas como teria saltado dos livros dos bonequinhos simpáticos e bonitos? Será que lhe custou muito?

- Depois de tantos anos volto a encontrar-te. Hoje faltaste ao serviço das histórias de criança? Vejo-te em contornos destacados de descanso, vieste relembrar o berço da preguiça onde me deixaste? – Retorquiu o jovem rapaz.

- Chamaram-me tanto que voei desde as histórias dos livros de contos até à realidade, foram anos de viagem sem descanso, a fantasia fica tão longe, nem imaginas o quão longe… Não larguei nenhuma das minhas histórias, sou apenas uma réplica de tantas elas, de tantas diferentes versões. – Disse a Cegonha.

- Então conta-me réplica, diz-me o teu nome, conta-me baixinho ao meu ouvido, porque te enganaste comigo? Perdeste-me no espaço, antecipaste-me no tempo. Onde está a minha versão feminina? Onde está aquela que deveria ser a minha gémea? Que contas tão estranhas foram essas? – Questionou o rapaz.

- Sou a cegonha Preguiça, olha para mim, deixa-me sussurrar-te ao ouvido. Ela está no seu lugar correcto, nesta vida não tive paciência para um grande enquadramento, agradece-me nem sempre a irmandade é tão bonita como uma amizade fortíssima, concordas? – Perguntou a senhora da preguiça.

-Mas… - Soletrou com ímpeto o seu discípulo.

A senhora cegonha interrompeu-me!

- Não digas nada, eu sei que concordas comigo. No passado talvez tenha-vos entregue a irmandade, hoje entreguei-vos a amizade em parceria com o amigo destino, têm todas as possibilidades, escrevam a história tal como quiserem.

- Ainda tenho outra longa viagem para fazer. Adeus meu filho. – Concluiu a Cegonha.

- Adeus senhora cegonha. – Disse o jovem rapaz, acenando para os céus.

E a cegonha seguiu viagem rumo ao passado, voou e voou, para um país bem distante, o vento saiu mas chamou o frio para o substituir, lá de cima viu uma menina sentada num jardim, soou-lhe a alguém familiar, e de bico bem levantado decidiu voltar a terra antes de voltar à eterna fantasia… Aterrou, assustando a menina, que ficou apavorada e correu para trás de uma árvore… lá de trás, só se deslumbravam os seus olhos brilhantes, que espreitavam discretamente, aguardando a ida da grande cegonha, mas esta ficou estática, não tinha intenções de sair dali tão cedo, então a menina saiu de trás da árvore em passos de medo, estava bastante encolhida.

Depois deixou que as suas palavras saíssem com dificuldade…

- Quem és tu? Que susto… - Disse a menina bastante assustada.

- Sou a história da tua infância, não te lembras? – Perguntou a cegonha.

- Não, tu só me fazes lembrar sustos, tenho medo de ti, desculpa ave grande. – Disse a menina de forma sincera.

- “Mamã, mamã, como vim eu ao mundo? Foi a cegonha que te trouxe filha”, lembras-te destas palavras? Não faças beicinho menina, não te vim fazer ma, vim contar-te um segredo… - Disse a cegonha.

- Ah! Sim, a mamã sempre me disse que foste tu que um dia me trouxe cá para casa, és tão grande, tão branquinha, posso voar em cima de ti? Vamos ver o castelo flutuante, sim? – Questionou a menina, agora sem receios…

- Não! Hoje ficas aqui quietinha no jardim… Um dia vais viver num castelo bonito, vais-te perguntar como entraste lá dentro e como te deixaram ficar por lá, vais questionar tudo e mais alguma coisa, vais questionar-me a mim também, porque poderás jurar que na torre vive um menino muito semelhante a ti e não saberás explicar porque foste lá parar, mas vais sentir-te bem. – Disse a cegonha.

- Que história bonita é essa? Conta-me… - Pediu a menina.

- Hoje não. Um dia vão-te a contar. Lembra-te no futuro dos traços que o destino te colocou, lembra-te da cegonha preguiçosa que te trouxe ao mundo. Tenho uma viagem longa, adeus minha filha! – Disse a senhora cegonha.

- Adeus Ave grande, faz uma boa viagem. – Disse a menina, acenando para o céu.

Rumou aos céus, seguiu pelos trilhos das nuvens e desapareceu nos céus, na sua viagem até ao mundo da fantasia, deixando para trás os seus discípulos... em espaços temporais completamente distintos.

Quem seria ela? Que me queria a mim? Que história tão estranha me veio contar? Será que vou viver num castelo de verdade? A mamã sempre me disse que a cegonha que me trouxe era bonita e muito amiga, os amigos são verdadeiros e sinceros, eu acredito nela… E será que viverei naquele castelo que flutua sobre as nuvens? Hum queria tanto… Gosto tanto de olhar para ele, gostava tanto de voar como a senhora cegonha para tocar no cimo do castelo. Como será? Terá reis e princesas, como nas histórias bonitas que me contam? Tantas perguntas, de certeza que vai demorar tantos anos para brincar ao castelos. Não vás senhora cegonha, vem brincar aos castelos comigo, ou trás o menino da torre para brincar comigo…

A cegonha já há muito tinha desaparecido do raio de visão, no entanto fixou os seus olhos no céu e leu nas entrelinhas imaginárias: “Um dia…”.

M.M.

1 comment:

Anonymous said...

aahhhh perezoso ;P meu outro eu mais giro!*

"um dia".... "um dia" vamos ficar juntos uma outra vida =)*